Em um cenário no qual o Rio Grande do Sul apresentou, no mesmo dia, recorde de internações por coronavírus em unidades de tratamento intensivo (UTI) e redução no número de regiões sob bandeira vermelha, médicos consultados por GZH trouxeram ressalvas ao modelo de distanciamento controlado e alertam que a epidemia não melhorou.
O Natal registrou um recorde de 986 pacientes internados por coronavírus em UTIs no Estado, o maior número desde o início da pandemia, segundo dados do Gabinete de Crise. Na sexta-feira da semana passada (18), eram 935 pessoas, um aumento de 5,45%.
Também no dia 25, das 21 regiões do sistema de bandeiras, 15 receberam classificação vermelha e outras seis receberam a cor laranja — na semana anterior, a proporção era de 20 para uma.
Professor de Infectologia na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), o médico Alexandre Zavascki avalia que o modelo de distanciamento controlado confunde a população ao apontar melhora no momento em que o Estado bate recordes de internação em UTIs e registra aumento de mortes. Para Zavascki, o sistema dificulta aplicar restrições quando o risco é alto em uma área:
— Metade da nota final para uma região é dada por capacidade de leitos, mas é muito fácil um prefeito modificar esses valores ao adicionar dois ou três leitos e, com isso, mudar um índice que pesa na pontuação. Desses 50%, metade do peso é na mudança na capacidade de atendimento entre uma semana e a outra. Mas, se você está com apenas um leito livre em uma semana e continua com um leito livre na semana seguinte, a mudança é zero e você pontua bem porque não perdeu leitos — diz Zavascki, membro do Comitê Covid-19 da Sociedade Sul-Riograndense de Infectologia.
A médica epidemiologista Lucia Pellanda afirma que comitê científico, formado por um grupo de cientistas das maiores universidades do Rio Grande do Sul que atuam de forma independente para aconselhar o governo na condução da resposta à epidemia, solicitou ao Palácio Piratini que o modelo adote gatilhos que o torne mais sensível e preventivo à piora piora da epidemia.
— Se dependesse do comitê científico, gostaríamos de um modelo mais restrito e com mais gatilhos para bandeira preta e vermelha. Também que uma região demorasse mais para sair da bandeira preta e vermelha. Quando chega em um determinado índice, como uma variação muito grande de internações e de positividade de casos, que isso acendesse um alerta — explica.
Um dos pontos que mais chamou a atenção na rodada preliminar do distanciamento controlado é a inclusão da região de Pelotas na bandeira laranja. Duas semanas atrás, a área estava sob bandeira preta, a mais rigorosa dentro do modelo.
Zavascki afirma que “se tem uma bandeira que vai do preto para o laranja em duas semanas, a impressão que você passa para o inconsciente das pessoas é de que melhorou a situação”.
À frente do Comitê de Dados da Covid no RS, o secretário Luis Lamb diz que as medidas restritivas produziram efeito e melhora nos indicadores avaliados pelo gabinete de crise:
— Medidas como o fim da cogestão adotado no início de dezembro (quando somente o Estado definia o protocolo das regiões), bem como o fechamento de várias atividades em Pelotas por mais cinco dias, levaram a melhora de indicadores. Então, houve uma melhora. Isso foi resultado, muito provavelmente, das ações que foram tomadas. Mas é claro que estamos sempre abertos para eventuais críticas, a fim de aprimorar o modelo de distanciamento e as questões que nos forem apontadas.
Na mesma linha, o governador Eduardo Leite usou as redes sociais para justificar a situação no sul do RS e apontou redução nas internações confirmadas para covid-19 e elevação nos leitos livres.
“São indicadores que demonstram redução na velocidade de propagação e contágio, bem como o aumento da capacidade hospitalar. Assim, a região voltou para a bandeira laranja’, escreveu.
A região de Pelotas, quando foi para bandeira preta há 2 semanas, tinha observado 87 internações confirmadas para COVID. Na última semana foram 61. Além disso, saiu de 0,3 leito livre para cada leito ocupado COVID para 0,5. Eram 15 leitos livres há 2 semanas e agora são 34. pic.twitter.com/QWOLlZgS0o
— Eduardo Leite (@EduardoLeite_) December 26, 2020