Criado em abril para atender a população de baixa renda durante a pandemia de coronavírus, o auxílio emergencial de R$ 600 também foi parar no bolso de muitas pessoas que não têm direito a ele. Quem fraudou o sistema para receber o dinheiro ou o recebeu indevidamente e não devolveu pode responder criminalmente por isso.
Segundo um relatório do TCU (Tribunal de Contas da União), cerca de oito milhões podem ter recebido indevidamente o auxílio. O órgão identificou, por exemplo, o pagamento a mais de 73 mil militares e a jovens de classe média alta.
Nem todos os que receberam o dinheiro indevidamente o fizeram de propósito. Há casos de vítimas de golpistas e de pessoas que receberam o pagamento automaticamente, por estarem em um cadastro do governo. As consequências são diferentes para cada caso.
Mentir para receber pode configurar estelionato
Quem fez o cadastro no aplicativo ou site da Caixa teve que informar renda, profissão e declarar que se enquadra em todos os requisitos para receber o auxílio emergencial. Um deles é ter renda de até R$ 522,50 por pessoa ou renda familiar mensal de até R$ 3.135.
De acordo com o promotor de Justiça do Ministério Público de São Paulo Rogério Sanches Cunha, a pessoa que mentiu deliberadamente com o objetivo de obter vantagem indevida cometeu o crime de estelionato, que tem pena de um a cinco anos de prisão. Como o crime é contra os cofres públicos, existe um aumento na pena, fazendo com que ela possa chegar a seis anos e oito meses.
Segundo o promotor, como o auxílio é dividido em três parcelas que ainda estão sendo pagas, o crime continua em andamento. Assim, a pessoa que fraudou o cadastro pode ser presa em flagrante a qualquer momento. Por ser um auxílio custeado com recursos federais, o promotor afirma que cabe à Polícia Federal investigar e ao Ministério Público Federal denunciar os fraudadores.
Vítimas de golpe precisam procurar a polícia
Pessoas que tiveram o CPF usado por um golpista não cometeram crime nenhum, mas precisam registrar um B.O. (Boletim de Ocorrência) na polícia para relatar o caso. Nesse caso, o dono do CPF é vítima do crime, afirmou Acacio da Silva Filho, especialista em direito penal.
Segundo o advogado, a situação também envolve um estelionato, mas praticado por quem usou os dados da vítima para solicitar o auxílio. O estelionatário consegue ficar com o dinheiro indicando sua própria conta bancária para o depósito, ou mesmo acessando a poupança digital da vítima antes que ela tenha conhecimento do golpe.
A orientação dos especialistas é consultar o CPF no site do auxílio emergencial e, caso ele tenha sido usado por outra pessoa, procurar imediatamente a Polícia Federal ou a Polícia Civil para registrar o caso. Na maioria dos estados, o registro pode ser feito pela internet.
Recebeu sem pedir? Pode ser punido se não devolver
Algumas pessoas que não tinham direito ao auxílio relatam que receberam o dinheiro mesmo sem tê-lo pedido. A situação mais comum é a de pessoas que já estavam no Cadastro Único do governo federal ou no programa Bolsa Família e, portanto, não precisavam fazer a solicitação via aplicativo da Caixa. Nesses casos, o governo fez o depósito automaticamente.
Mas existem pessoas no Cadastro Único que trabalham com carteira assinada, por exemplo, o que as exclui do direito ao auxílio emergencial. Elas podem ter recebido o depósito porque o sistema não identificou o registro trabalhista.
Segundo Silva Filho, receber o auxílio sem ter conhecimento disso não é crime. Contudo, a partir do momento em que a pessoa toma conhecimento, ela tem a obrigação de devolver o dinheiro, ou poderá ser processada pelo crime de apropriação indébita. A pena para quem se apropria “de coisa alheia vinda ao seu poder por erro, caso fortuito ou força da natureza”, vai de um mês a um ano de prisão.
O Ministério da Cidadania, responsável pelo auxílio emergencial, criou um site que permite devolver o dinheiro recebido indevidamente. Para a advogada Débora Nachmanowicz, do IBCCrim (Instituto Brasileiro de Ciências Criminais), a pessoa nessa situação só pode ser punida se ela for cobrada pelo ressarcimento e, ainda assim, se negar a devolver o dinheiro.
Governo diz que irregularidades serão punidas
O Ministério da Cidadania afirmou que “o trabalhador que prestar declarações falsas ou utilizar qualquer outro meio ilícito […] será obrigado a ressarcir os valores”, além de responder por eventuais crimes.
Segundo o ministério, para evitar fraudes, “as informações que estão sendo inseridas no site e no aplicativo do auxílio emergencial são cruzadas com vários bancos de dados oficiais de documentação e situação econômica e social”.
O Ministério da Cidadania também declarou que qualquer indício de ilegalidade “é imediatamente informado à Polícia Federal” e que a CGU (Controladoria-Geral da União) e a AGU (Advocacia-Geral da União) atuam na fiscalização e no ajuizamento de ações.
*As informações são do UOL.