Pesquisa aponta relação entre câncer e consumo de álcool

Divulgação / CTCAN
Divulgação / CTCAN

Cerca de 740 mil, ou seja, 4% de todos os novos casos de câncer em 2020 estão ligados ao consumo de álcool. Isso é o que mostra estimativa divulgada pela Agência Internacional de Pesquisa em Câncer (Iarc – na sigla em inglês), publicada na revista The Lancet Oncology no mês de julho. Os resultados da pesquisa destacam a necessidade de políticas e intervenções eficazes e urgentes para aumentar a conscientização sobre os riscos de câncer associados ao consumo de álcool.

Dos mais de 740 mil novos casos de câncer apontados pelo estudo, a maioria dos diagnósticos foram em homens, quase 570 mil, e cerca de 170 mil em mulheres. No Brasil, foram estimados 20,5 mil casos de câncer ligados ao álcool. “Essa pesquisa alerta para o uso de bebidas alcoólicas, um hábito disseminado e socialmente aceito no mundo todo, principalmente entre homens e crescente entre mulheres e jovens”, comenta o oncologista do Centro de Tratamento do Câncer (CTCAN), Dr. Alvaro Machado, membro do Conselho Consultivo da Sociedade Brasileira de Oncologia Clínica (SBOC).

Não há dose segura

Os dados, segundo a IARC, indicam que os padrões de consumo excessivo e arriscado (mais de duas doses de bebidas alcoólicas por dia) representam a maior carga de câncer (86% do total de casos atribuíveis ao álcool). No entanto, o consumo de álcool leve a moderado (até duas doses de bebidas alcoólicas por dia) representou um em cada sete casos e foi responsável por mais de 100 mil novos casos de câncer em todo o mundo. “Não existe dose segura de álcool. Evitar, diminuir é a recomendação para todos. O álcool não está apenas relacionado ao câncer e risco de morte por câncer. Esta droga é responsável por 6% de todas as mortes no mundo, mais de 3 milhões de óbitos anuais. O álcool tem íntima relação com a violência interpessoal e no trânsito, além de várias outras doenças crônicas como hipertensão, diabetes, doenças mentais e outras”, observa o oncologista.

Principais tipos de câncer apontados na pesquisa

Os cânceres atribuídos ao consumo de álcool na pesquisa foram o de boca, faringe, laringe, esôfago, colorretal, fígado e mama. “Se trazermos os cânceres listados na pesquisa para o cenário brasileiro, temos pelo menos três cânceres com importância epidemiológica imensa. Mama é o principal câncer da mulher, são cerca de 60 mil diagnósticos a cada ano. O câncer colorretal é o segundo câncer feminino no RS e o terceiro no Brasil e o terceiro câncer masculino, com cerca de 41 mil diagnósticos por ano. Se considerarmos boca, laringe e faringe juntos, são mais muitos milhares de diagnósticos anuais”, enfatiza Machado.

Políticas públicas para combater o consumo

De acordo com o estudo, ainda há pouca consciência da ligação entre o álcool e o risco de câncer entre o público em geral. O oncologista do CTCAN salienta que restrições ao acesso a bebidas alcoólicas é recente e ainda tímida. “No Brasil, a legislação aprovada limita a propaganda de bebidas alcoólicas com mais de 13% de teor alcoólico, deixando as cervejas de fora, por exemplo. Não por acaso, somos grandes consumidores de cerveja (a produção nacional cresceu 800% em 20 anos). Isso tudo resulta neste quadro de doença e morte”, analisa o oncologista.

O aumento do consumo de bebidas alcoólicas é visto com preocupação. “No Brasil, houve aumento do consumo de bebidas alcoólicas nos últimos dez anos. Mais da metade da população maior de 12 anos consome álcool. Três por cento da população maior de 15 anos é alcoólatra. Estamos acima da média mundial e somos o quarto país das Américas que mais consome álcool por habitante. Não temos dados oficiais, mas se considerarmos que estamos acima da média mundial, podemos supor maior importância do álcool nas estatísticas do câncer no Brasil”, alerta Machado.

O oncologista ressalta as medidas destacadas no estudo para incentivar a diminuição do consumo, como é feito com o cigarro, por exemplo. “Limitar o marketing, desassociar bebidas alcoólicas e adoçadas artificialmente dos esportes, da liberdade e do sucesso são fundamentais, como se fez com o cigarro. Elevar os impostos, aumentando o preço final, também inibe o consumo”, destaca o oncologista.