A soltura de presos em decorrência do coronavírus resultou no assassinato de 22 detentos no Rio Grande do Sul, o que corresponde a 13,9% dos homicídios em abril deste ano. As mortes aconteceram entre 1º a 28 de abril e, em um dos casos, o apenado foi morto cinco dias após deixar a prisão. O caso foi registrado em Rio Grande, onde o preso cumpria pena por homicídio qualificado. Em sete outros registros, os assassinados aconteceram após mais de um mês da soltura.
A saída dos apenados foi recomendada pelo CNJ (Conselho Nacional de Justiça) como medida preventiva à propagação da covid-19. Conforme a Secretaria da Segurança Pública (SSP), 11.677 pessoas ganharam a liberdade no Estado entre março e abril deste ano. O número é 67,2% maior do que em relação ao mesmo período do ano passado.
Para o vice-governador e secretário da Segurança Pública, Ranolfo Vieira Júnior, as mortes de presos soltos têm relação com as disputas do “submundo do crime”. “Isso aponta para um outro dado, também objetivo, que esses indivíduos estão mais protegidos do ponto de vista de serem vítimas de homicídio dentro do sistema penitenciário do que na rua.” Em nota, a SSP explicou que a saída dos criminosos “muitas vezes, mobiliza rivalidades entre grupos, abre disputas na hierarquia dos bandos e desencadeia ataques encomendados para acerto de contas”.
Dos 22 presos que foram soltos e que acabaram mortos, nove foram detidos por tráfico de drogas, outros cinco por roubo majorado e três por furto qualificado. Outros cinco por estelionato, homicídio, furto qualificado tentado, moeda falsa e roubo simples. Além disso, os 22 assassinatos aconteceram em 17 cidades diferentes: Porto Alegre (3), Alvorada (2), Caxias do Sul (2), Rio Grande (2), Cachoeirinha (1), Camaquã (1), Campina das Missões (1), Canoas (1), Encantado (1), Farroupilha (1), Nova Prata (1), Passo Fundo (1), Pelotas (1), São Leopoldo (1), Soledade (1), Triunfo (1) e Uruguaiana (1).
Para o juiz-corregedor do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, Alexandre de Souza Pacheco, a situação é alarmante, mas segue o que já acontecia antes da pandemia. “A gente sabe que as facções comandam os presídios e que existe guerra de facções dentro e fora dos presídios. A maioria dos homicídios está relacionada à guerra de facções.” Entre as explicações para os assassinatos está inclusive dívidas contraídas pelos presos dentro das prisões.
Apesar das mortes, o juiz-corregedor descarta rever os critérios para a soltura desses presos devido ao número reduzido de casos. “(As mortes são) Indiferentes à questão judicial, não dependem da questão judicial. Todos os presos tem algum tipo de risco. Risco é preexistente dele”, salienta Pacheco.
Hoje, para garantir a mudança para regime domiciliar o Tribunal considera apenados de menor risco e ainda a natureza do crime cometido. Presos que trabalham e que já cumpriram parte da pena também estão entre os beneficiados. Segundo Pacheco, os pedidos para a soltura estão sendo feitos pelos advogados dos presos ou pelos próprios juízes, chamado tecnicamente de “decisão de ofício”. Cada caso é analisado individualmente.
Diferente da SSP, o Tribunal contabiliza 6.686 presos que mudaram de regime. Pacheco explica que o número leva em conta as solturas de 18 de março, quando entrou em vigor a recomendação do CNJ, a 30 de abril. Do total, apenas 138 reingressaram por prisão em flagrante, o que indica que a soltura tem surtido efeito, segundo o juiz-corregedor.
Já o coordenador do Centro de Apoio Operacional Criminal e de Segurança Pública do MP-RS (Ministério Público do Rio Grande do Sul), promotor Luciano Vaccaro, entende que a situação pode ter relação com as “solturas genéricas” de presos em decorrência da covid-19. Contrário à situação, o MP tem ingressado com recursos para reverter as decisões. “Tivemos no início, com a recomendação do CNJ, muitas solturas genéricas e ali o MP se insurgiu mesmo e as solturas diminuíram bastante. A gente recorreu, ganhamos recursos, e estamos trabalhando.”
Segundo o promotor, em alguns casos, foram colocados nas ruas presos que cometeram crimes graves e que não teriam cumprido tempo necessário na prisão para obter o benefício. “Essas mortes não são raras de acontecer. As pessoas são soltas, acabam tendo conflitos e são mortas. Mas veja a ironia: foram soltos para a preservação da saúde, para não serem contaminados, mas acabaram mortos.”