ARTIGO – Discalculia: dificuldade de aprendizagem no ensino fundamental

Foto: Divulgação / Arquivo Pessoal
Foto: Divulgação / Arquivo Pessoal

Por Alice Kuinchtner Lupatini 

RESUMO

A discalculia é caracterizada com um déficit que se enquadra no espectro dos transtornos do neurodesenvolvimento, podendo se apresentas de múltiplas formas, se manifestando principalmente no ciclo da terceira infância, onde no geral as crianças estão na fase educacional do ensino fundamental. Desse modo, o presente estudo se concentrou em compreender os aspectos da dificuldade de aprendizagem da matemática (discalculia) no ensino fundamental, apresentando elementos sobre o transtorno do neurodesenvolvimento e os déficits de aprendizagem, e refletindo sobre os domínios do ensino da matemática proposto pela Base Nacional comum Curricular (BNCC). Os principais achados apontaram para carecterização de um déficit de base complexa e multifatorial, que por sua vez, se não tratada a tempo pode impactar na vida dessas crianças em longo prazo em instâncias cognitivas, sociais e emocionais.

Palavras-chave: Discalculia. Transtorno do neurodesenvolvimento. Aprendizagem. Ensino fundamental.

1 INTRODUÇÃO

De acordo com o último relatório do Programa Internacional de Avaliação de Alunos (PISA – 2018), o nível de proeficiência em matemática dos alunos brasileiros alcançou pontuação de 384, colocando o país 108 pontos abaixo da média na escala geral, o classificando na 69º posição (BRASIL, 2020). Dados estes, que chamam a atenção para necessidade em se avaliar de forma mais efetiva a presença de transtornos como a discalculia no cenário educacional brasileiro.

Dito isto, o presente estudo buscou compreender os aspectos da dificuldade de aprendizagem da matemática (discalculia) no ensino fundamental, apresentando elementos sobre o transtorno do neurodesenvolvimento e os déficits de aprendizagem, e refletindo sobre os domínios do ensino da matemática proposto pela Base Nacional comum Curricular (BNCC).

Tal discussão se apresenta como de fundamental importância, visto que, se trata de um problema recorrente no cenário de ensino brasileiro, sendo imprescindível fomentar pesquisa e estudos nesta vertente, afim de identificação precoce e assim, promover orientação direcionada aos profissionais e família e possibilitar tratamento de forma efetiva.

2 METODOLOGIA

O presente estudo caracteriza-se pelo método de revisão bibliográfica descritiva, exploratória e qualitativa, utilizando como referência conteúdo (artigos e capítulos de livros) publicados entre os anos de 2010 a 2020. Esse método científico possibilita buscar e analisar material de uma determinada área da ciência, visto que esse tipo de pesquisa nos permite ter uma visão mais ampliada do tema, com base em material já elaborado, confrontar ideias ou concordância existentes entre os autores (GIL, 2008).

Assim, estabeleceram-se como critérios inclusão: trabalhos científicos publicados no intervalo dos últimos dez anos e em língua portuguesa. E para exclusão foram escolhidos os seguintes critérios: publicações em línguas estrangeiras; trabalhos que não estavam do período de publicação estabelecido.

Dentro dos critérios, buscou-se material de interesse na base de dados dos Periódicos Eletrônicos: Scientific Eletronic Library Online (SCIELO) e Google Acadêmico. A coleta de dados foi iniciada e finalizada no decorrer do mês de janeiro de 2021. Nesse processo foram selecionados artigos, capítulos de livros, cartilhas do Ministério da Educação e dados estatísticos que contribuíram na produção deste trabalho.

3 APRENDIZAGEM E DÉFCITIS

As habilidades cognitivas, inseridas no processo de aprendizagem se caracterizam como percepção, atenção, raciocínio, memória dentre outros, que trabalham de forma simultânea e sistemática, para que o processo de aprendizagem ocorra. Contudo, é valido ressaltar que algumas condições particulares do sujeito em desenvolvimento, como algumas psicopatologias, podem interferir no desenvolvimento natural da aprendizagem (PAPALIA; FELDMAN, 2013).

Nesse sentido, os transtornos específicos de aprendizagem, presentes no Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais DSM – 5, se caracterizam como transtornos do neurodesenvolvimento, relacionados a déficits de origem neurológica e psíquica com prejuízo no desenvolvimento da leitura, expressão escrita e compreensão matemática (AMERICAN PSYCHIATRIC ASSOCIATION, 2014).

Na proposta do desenvolvimento humano apresentada por Papalia e Feldman (2013) a terceira infância começa aos seis anos de idade até os 11 anos, e a adolescência a partir do 12 anos. Importante destacar alguns elementos fundamentais nessa fase, visto que, segundo o regimento da Base Nacional comum Curricular (BNCC) o ensino fundamental compreende sujeitos exatamente nesta fase do desenvolvimento (BRASIL, 2019).

Dentre os principais elementos do desenvolvimento cognitivo de crianças na terceira infância surge: a capacidade de pensamento espacial, relação de causa e efeito, aptidão de categorizar objetos, raciocínio indutivo e dedutivo, habilidade na compreensão de números e raciocínio matemático que ocorre de forma gradativa (PAPALIA; FELDAMAN, 2013).

3.1 DISCALCULIA: DIFICULDADE DE APRENDIZAGEM EM MATEMÁTICA DURANTE O ENSINO FUNDAMENTAL

No espectro dos transtornos específicos de aprendizagem a discalculia se caracteriza como uma dificuldade no domínio do senso numérico, na memorização aritmética, na fluência de cálculos e no prejuízo do raciocínio matemático, que pode se manifestar de forma leve (dificuldades em um ou dois domínios), moderada (déficit em um ou mais domínios) e grave (apresenta-se em vários domínios) (AMERICAN PSYCHIATRIC ASSOCIATION, 2014).

Nesse aspecto, Ribeira, Silva e Santos (2016) salientam que especialmente na fase do ensino fundamental ocorre à verificação de transtornos como a discalculia e que basicamente, se dividem em duas condições específicas, onde a primeira se destacam as crianças com baixo rendimento devido a privações socioeconômicas e culturais, e a segunda como discalculia por transtorno intrínseco que se associa a fatores biológicos e dificuldades no processamento cerebral, podendo se apresentar de maneira primária (cognitivo numérico de domínio específico) e secundária (cognitivo não-numérico de domínio geral).

Na perspectiva de Bastos (2016) o raciocínio matemático para cálculo, tem uma base neuropsicológica que concentra funções cerebrais complexas, pois prevê representação de quantidades, interpretação de códigos e processamento de entrada e saída de informações que se desenvolvem paulatinamente começando pelo reconhecimento numérico, habilidade para contar, associação lógica. Na conjuntura do transtorno de discalculia podem se apresentar os modos de alexia e agrafia de números (comprometimento de ler e escrever quantidades), acalculia espacial (impossibilidade de colocar números na ordem), anaritmetria (inabilidade de realizar operações matemáticas).

Diante do exposto, Pazeto, Almeida e Barbosa (2013) destacam que o prejuízo decorrente de transtornos do neurodesenvolvimento com a discalculia, se não tratadas em tempo hábil, podem impactar a vida do sujeito em sua autoestima, habilidades sociais, controle de impulsos e capacidade na resolução de problemas da vida diária.

O Ensino da educação no Brasil é regulamentado pela Base Nacional comum Curricular – BNCC, que faz parte do Plano Nacional de Educação – PNE, garantido a todos os brasileiros pela Constituição Federal de 1988. Que fica objetivamente esclarecido eu sua redação, quando diz:

O dever do Estado com a educação será efetivado mediante a garantia de: I – ensino fundamental, obrigatório e gratuito, assegurada, inclusive, sua oferta gratuita para todos os que a ele não tiveram acesso na idade própria; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 14, de 1996). (BRASIL, 1988, cap. III, seção I, art. 208).

A especificidade do Ensino fundamental compreende nove anos da educação básica de um estudante, geralmente, abrangendo a faixa etária entre 6 aos 14 anos de idade. Onde, os anos iniciais acontecem do primeiro ao quinto ano, e os anos finais do sexto ao nono ano. Assim, a BNCC afirma que nesta fase concentram-se os desafios mais complexos no que compete aos conteúdos de todas as áreas de conhecimento abordadas e, sobretudo, é um período que se caracteriza pelo fomento no fortalecimento da autonomia, uma vez que, implica justamente na fase de transição entre infância e adolescência (BRASIL, 2019).

Dessa maneira, Bastos (2016) afirma que a avaliação psicopedagógica é imprescindível para identificar os principais fatores relacionados na conjuntura da discalculia e assim, promover uma linha de tratamento holística que deve incluir protocolos focais na promoção de desenvolvimento das habilidades sociais, cognitivas e emocionais.

4 CONCLUSÃO

O presente estudo apresentou considerações gerais acerca do desenvolvimento humano na terceira infância, o processo de aprendizagem e especificidades do transtorno do neurodesenvolvimento, para discutir aspectos da dificuldade de aprendizado da matemática (discalculia) especialmente, no ensino fundamental.

Dessa forma foi possível verificar que a discalculia se trata de um déficit complexo, pois implica em uma variedade de fatores de ordem neurológica (em diversas habilidades cognitivas), biopsicossocial e cultural, podendo ser relacionado também a contextos ambientais. E seu reflexo se apresenta através dos baixos resultados dos alunos em estudos de proficiência em matemática.

Desse modo, é fundamental que haja atenção especial para os alunos principalmente na fase do ciclo de desenvolvimento da terceira infância, onde geralmente surgem os primeiros sinais do transtorno de discalculia. Assim, possibilitando diagnóstico precoce e promoção de estratégias diretivas e eficazes para minimização dos sintomas e melhora da qualidade de vida.

REFERÊNCIAS

AMERICAN PSYCHIATRIC ASSOCIATION. Manual diagnóstico e estatístico de transtornos mentais – DSM-5. 5. ed. Porto Alegre: Artmed, 2014.

BASTOS, J . A. Matemática: distúrbios específicos e dificuldades. In: Transtornos de aprendizagem: abordagem neurobiológica e multidisciplinar. ROTTA, N. T.; OHLWEILER, L.; RIESGO, R. S. (ORGs.). 2. ed. Porto Algre: Artmed, 2016. p. 176-189.

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília, DF. Presidência da República, [on line], 2016. Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm. Acesso em: 05 jan. 2021.

BRASIL. Base Nacional Comum Curricular. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Básica. Brasília, DF. 2019. Disponível em: http://basenacionalcomum.mec.gov.br/images/BNCC_EI_EF_110518_versaofinal_site.pdf. Acesso em: 05 jan. 2021.

BRASIL. Relatório Brasil no PISA 2018. INEP, Ministério da Educação, Brasília, DF, 2020. Disponível em: https://download.inep.gov.br/publicacoes/institucionais/avaliacoes_e_exames_da_educacao_basica/relatorio_brasil_no_pisa_2018.pdf. Acesso em: 05 jan. 2020.

GIL, A. C. Método e técnicas de pesquisa social. 6.ed. São Paulo: Atlas, 2008.

PAPALIA, D. E.; FELDMAN, R. D. Desenvolvimento Humano. 12. ed. Porto Alegre: AMGH, 2013.

PAZETO, T. de C. B.; ALMEIDA, R. P.; BARBOSA, A. C. C. Avaliação neuropsicológica na discalculia do desenvolvimento: um estudo de caso. In: Avaliação neuropsicológica cognitiva: leitura, escrita e aritmética. SEABRA, A. G.; DIAS, N. M.; CAPOVILLA, F. C. (ORGs.).São Paulo: Memnon, 2013. p. 232-258.

RIBEIRO, F. S.; SILVA, P. A.; SANTOS, F. H. Padrões de dissociação da memória operacional na discalculia do desenvolvimento. In: Neuropsicologia do desenvolvimento infância e adolescência. SALLES, J. F.; HAASE, V. G; MALLOY-DINIZ, L. F (ORGs.). Porto Alegre: Artmed, 2016. p. 205-222.